África do Sul: o abandono dos cuidados para o VIH é mortal
Um estudo realizado na África do Sul revelou que as pessoas que não frequentaram os cuidados de saúde para o VIH durante períodos superiores a seis meses tinham duas a três vezes mais probabilidades de morrer durante o período de estudo, do que as que permaneceram continuamente nos cuidados de saúde. O estudo foi apresentado na 12ª Conferência sobre Ciência do VIH da Sociedade Internacional de SIDA (IAS 2023) em Brisbane, Austrália, esta semana.
O Dr. Haroon Moolla da Universidade da Cidade do Cabo e colegas recolheram dados de várias coortes grandes de doentes na África do Sul de pessoas que interromperam a terapia antirretroviral (TARV) e mais tarde a retomaram. A recolha de dados começou em 2004 e terminou no final de 2019. O estudo não analisou todos as pessoas que abandonaram os cuidados e interromperam o tratamento, apenas os que o reiniciaram.
As interrupções de cuidados foram definidas como um intervalo de mais de 180 dias (quase seis meses) entre o último acesso à TARV e o reinício dos cuidados. As pessoas foram divididas em dois grupos: aquelas cujos períodos de ausência de cuidados começaram nos primeiros seis meses após o diagnóstico e aquelas que deixaram de receber cuidados mais tarde.
Foram incluídos um total de 63.421 adultos com VIH, contribuindo com 188.358 pessoas-ano de dados. A idade média era de 33 anos e mais de dois terços (68%) eram mulheres. A maioria das pessoas (64%) nunca interrompeu a terapia. Das 22.593 pessoas que o fizeram, 39% tiveram a sua primeira interrupção no prazo de seis meses após o diagnóstico. A duração média do período sem tratamento foi de 22,8 meses (quase dois anos), com 25% a retomar o tratamento no espaço de um ano e outros 25% a parar durante mais de três anos.
Registaram-se 3585 mortes durante o período do estudo. As pessoas que interromperam e depois retomaram a TARV registaram um aumento da mortalidade, em comparação com as que não interromperam. As pessoas cuja primeira interrupção ocorreu no prazo de seis meses após o diagnóstico tinham 3,08 vezes mais o risco de morte subsequente durante o período de estudo, e aquelas cuja primeira interrupção ocorreu após seis meses tinham 2,47 vezes mais o risco.
A taxa de mortalidade foi de 0,78% nas pessoas que não interromperam o tratamento (uma morte em 128 pessoas por ano), mas de 1,6% nas pessoas cuja primeira interrupção ocorreu mais de seis meses após o início da TARV (uma morte em 62,6 pessoas por ano) e de 1,9% (uma em 52,6) nas pessoas que abandonaram o tratamento nos primeiros seis meses.
O Dr. Moolla comentou: "A mortalidade substancialmente aumentada daqueles que retomam a TARV após uma interrupção destaca a necessidade de dar prioridade e apoiar a retenção nos cuidados, particularmente durante os primeiros seis meses de TAR".
Mais opções para o tratamento de segunda linha do VIH em crianças
Os resultados do estudo Children with HIV in Africa - Pharmacokinetics and Acceptability of Simple second-line ART (CHAPAS-4) foram apresentados pelo Dr. Victor Musiime da Universidade de Makerere na IAS 2023.
As opções atuais para o tratamento de segunda linha são muito limitadas para as crianças que vivem com o VIH. O lopinavir/ritonavir potenciado é tomado duas vezes por dia e existem dados mínimos sobre o tenofovir alafenamida (TAF) em crianças.
O estudo CHAPAS-4 teve lugar em seis locais de ensaio no Uganda, Zâmbia e Zimbabué. Incluiu 919 participantes (497 rapazes e 422 raparigas), com idades entre os 3 e os 15 anos, com uma idade média de 10 anos. As taxas de subnutrição no grupo eram moderadas.
As crianças foram selecionadas aleatoriamente para um de dois medicamentos de base INTR:
- TAF/emtricitabina, tomada uma vez por dia
- ou o padrão atual de cuidados, que era a lamivudina combinada com qualquer um dos dois, abacavir ou zidovudina, quando não tomado como tratamento de primeira linha.
Quase todos (910) foram também aleatorizados para um de quatro medicamentos-âncora:
- dolutegravir
- darunavir/ritonavir
- atazanavir/ritonavir
- lopinavir/ritonavir, que era o tratamento padronizado.
A supressão da carga viral foi definida como inferior a 400, que se manteve elevada em 80% ou mais em todos os braços do estudo. O estudo descobriu cinco coisas importantes:
- As crianças tiveram uma melhor supressão viral com TAF/emtricitabina em comparação com o tratamento padronizado (abacavir/lamivudina ou zidovudina/lamivudina) (89% vs 83%).
- O dolutegravir foi melhor como medicamento-âncora, em comparação com o lopinavir/ritonavir e o atazanavir/ritonavir (92% vs 83%).
- O atazanavir/ritonavir teve resultados semelhantes aos do lopinavir/ritonavir (84% vs 81%).
- Verificou-se também uma tendência para o darunavir/ritonavir ser melhor do que o atazanavir/ritonavir e o lopinavir/ritonavir (88% a 83%).
- Não se registaram problemas de aumento de peso com o dolutegravir ou o TAF, mas as crianças que tomaram lopinavir/ritonavir tiveram pouco aumento de peso e os perfis lipídicos menos favoráveis.
O estudo CHAPAS-4 confirma as recomendações da Organização Mundial de Saúde que indicam o dolutegravir como tratamento de segunda linha para crianças.
Os resultados sublinham a necessidade de desenvolver uma combinação de dose fixa de TAF e emtricitabina mais dolutegravir amiga das crianças como medicamento-âncora. Em alternativa, o darunavir/ritonavir ou o atazanavir/ritonavir poderiam ser utilizados como medicamento-âncora.
Incidência muito elevada de VIH entre as pessoas que injectam drogas na África do Sul
Apesar de a África do Sul ter a maior epidemia de VIH a nível mundial, nunca foram medidos novos casos de VIH (incidência) entre as pessoas que injetam drogas. Uma análise recente revelou que a incidência nos países de rendimentos elevados era de 0,9%, enquanto que nos países de rendimentos baixos e médios era de 3,2%.
Na África do Sul, estima-se que a proporção de pessoas que injetam drogas que vivem com o VIH (prevalência) seja de 18%. Em 2015, foram disponibilizados serviços de redução de danos sob a forma de programas de troca de agulhas e seringas. A terapia de substituição de opiáceos está disponível desde 2017, mas estima-se que menos de 5% das pessoas que dela necessitam a recebem atualmente.
Este estudo utilizou dados programáticos de serviços de redução de danos em quatro províncias sul-africanas (Gauteng, KwaZulu-Natal, Cabo Oriental e Ocidental) recolhidos entre 2019 e 2022 para estimar novos casos de VIH entre pessoas que injetam drogas.
A maioria das 31 873 pessoas da coorte foram excluídas da análise porque se sabia que viviam com o VIH, não foram testadas para o VIH ou foram testadas apenas uma vez. A incidência do VIH foi calculada numa amostra de 2457 pessoas que inicialmente eram seronegativas. Desta amostra, a maioria era de Gauteng (57%), homens (90%), melanodérmicos (72%), tinham uma idade média de 30 anos (77% tinham 35 anos ou menos), eram sem-abrigo ou tinham alojamento instável (63%) e consumiam heroína (97%).
Muito poucas pessoas tinham recebido terapia de substituição de opiácea - esta situação variava entre nenhum no Cabo Oriental, 0,5% em Joanesburgo, e 6,4% no Cabo Ocidental.
Um total de 300 pessoas adquiriu o VIH durante um período de 2190 pessoas-ano, resultando numa taxa de incidência do VIH de 13,7%. O risco de aquisição do VIH variou consoante a província, tendo Gauteng registado a incidência mais elevada (19%), seguida de KwaZulu-Natal (17%). A incidência foi menor no Cabo Oriental (6,3%) e no Cabo Ocidental (3,4%). Os grupos etários mais jovens tendem a registar taxas de incidência mais elevadas do que os grupos com mais de 35 anos.
As pessoas que tinham recebido terapia de substituição opiácea e um maior número de pacotes de redução de danos apresentavam menores riscos de aquisição do VIH. As pessoas que receberam terapia de substituição opiácea depois de terem sido testadas para o VIH tiveram uma redução de 62% nas hipóteses de contrair o VIH em comparação com as pessoas que nunca receberam terapia de substituição.
A Dra. Artenie salientou que serviços como os programas de troca de agulhas e seringas e a terapia de substituição opiácea têm o potencial de reduzir esta taxa de incidência. Este estudo sublinha a necessidade urgente de aumentar o financiamento destes serviços.
Doravirina/islatravir tão eficaz como Biktarvy em pessoas não tratadas anteriormente
O islatravir é o primeiro antirretroviral de uma nova classe denominada inibidores nucleósidos da translocação da transcriptase reversa (INTTR). Persiste nas células durante muito mais tempo do que outros antirretrovirais e o seu desenvolvimento inicial incluiu estudos de doses elevadas administradas uma vez por semana. O desenvolvimento foi interrompido em 2021 depois de se ter verificado que as pessoas que tomavam doses elevadas em ensaios clínicos tinham registado uma diminuição dos glóbulos brancos. O efeito estava relacionado com a dose e o desenvolvimento do islatravir foi retomado utilizando doses mais baixas.
Um estudo de fase 2b de variação de dose que comparou doses diárias de 0,25 mg, 0,75 mg e 2,25 mg concluiu que as doses de 0,75 mg e 0,25 mg resultaram em taxas equivalentes de supressão viral quando combinadas com a doravirina. A dose de 0,75 mg foi inicialmente selecionada para estudos de fase 3 de maior dimensão, mas após a pausa no desenvolvimento, a empresa que desenvolve o islatravir, a Merck, decidiu concentrar-se na dose de 0,25 mg.
Esta semana, o Professor Rockstroh apresentou os resultados de um estudo de fase 3 que testou uma dose de 0,75 mg de islatravir combinada com doravirina. O recrutamento do estudo estava quase totalmente completo quando o desenvolvimento do islatravir foi interrompido.
O estudo recrutou adultos com VIH que não tinham tomado anteriormente terapia antirretroviral e que tinham uma carga viral superior a 500. O estudo excluiu pessoas com hepatite B ou quaisquer mutações importantes de resistência aos medicamentos. Foram recrutadas 597 pessoas em 13 países (32% na Europa, 22% na América do Norte, 23% na América Latina e 18% na África do Sul).
A maioria dos participantes era do sexo masculino (aproximadamente 75% em cada braço do estudo) e pouco mais de metade (57%) eram caucasianos. Vinte por cento tinham contagens de CD4 inferiores a 200 e 18% no braço da doravirina/islatravir e 20% no braço do bictegravir tinham uma carga viral de base superior a 100.000.
Os participantes foram selecionados aleatoriamente para receber 100 mg de doravirina e 0,75 mg de islatravir uma vez por dia ou bictegravir, emtricitabina e tenofovir alafenamida (Biktarvy) uma vez por dia.
Não houve diferença significativa na supressão viral na semana 48; 88% em cada braço do estudo tinham carga viral inferior a 50. Não se registou uma diferença significativa na toxicidade de grau 3 ou 4 (10% vs 11%) e apenas dois participantes abandonaram o estudo devido a acontecimentos adversos relacionados com o medicamento (ambos no braço do bictegravir).
Um estudo de fase 3 está agora a comparar a doravirina e uma dose mais baixa de islatravir de 0,25 mg com o Biktarvy.
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