AIDS 2020: Virtual - Impacto do COVID-19 no comportamento sexual e no uso da PrEP, Sexta-feira 10 de julho 2020

Impacto do COVID-19 no comportamento sexual e no uso da PrEP
Dr. Douglas Krakower (canto superior direito), investigador principal do estudo PrEP de Boston, numa conferência de imprensa on-line da AIDS 2020

Impacto do COVID-19 no comportamento sexual e no uso da PrEP

O COVID-19 teve um amplo impacto nos serviços e uso da PrEP, com a contribuição do confinamento para reduções substanciais na atividade sexual e no uso da PrEP por homens gays nos EUA e na Austrália.

Essas foram as conclusões de vários estudos recentes apresentados na 23ª Conferência Internacional sobre SIDA (AIDS 2020: Virtual), que acontece online esta semana.

Uma coorte de 940 homens gays e bissexuais na Austrália foi questionada em abril sobre o comportamento sexual antes e depois do COVID-19. Os participantes relataram uma redução de 65% no sexo com parceiros recorrentes, mas casuais, e uma redução de 58% no sexo com parceiros casuais. Antes do COVID-19, 46% estavam em PrEP e 58% continuavam a usá-lo. Dos que interromperam a PrEP, 86% referiram o COVID-19 como um dos motivos, mas apenas 17% relataram que tiveram dificuldade em ter acesso à PrEP durante este período.

Um estudo com 394 utilizadores de PrEP e 188 prestadores de serviços de saúde em todo os EUA demonstrou temas semelhantes de mudança comportamental e redução da iniciação de PrEP, geralmente por escolha e não por acesso restrito. Os 95,3% dos utilizadores de PrEP diária caíram para 61,6%, enquanto o grupo muito menor que utilizava a PrEP intermitente caiu de 4,7% para 2,9%. Essas reduções foram refletidas pelas reduções relatadas nas atividades de risco.

Dados das clínicas de PrEP mostraram mais de 90% restringindo ou mudando as suas práticas para reduzir o contato pessoal, mas muitos relataram a introdução de consultas por telefone ou online para triar pacientes. Apenas 2,6% fecharam totalmente e deixaram de oferecer PrEP de nas várias modalidades.

As dificuldades em aceder a serviços de laboratórios dificultou que as clínicas seguissem as recomendações nacionais para a PrEP. Quase metade tinha tratado pacientes com suspeita de infeções sexualmente transmissíveis sem testar.

Uma análise do impacto do COVID-19 nos serviços de PrEP numa unidade de saúde LGBT+ em Boston confirmou estes dados e destacou os impactos nas sub-populações vulneráveis.

O Dr. Douglas Krakower disse que a análise que efetuou de 3520 registros de pacientes de janeiro a abril mostrou que o número de novas pessoas que iniciaram a PrEP reduziu em quase três quartos durante este período. Os hiatos de prescrição (onde nenhuma nova prescrição de PrEP foi preenchida antes da anterior) aumentaram a partir de fevereiro e ocorreram com maior frequência em pessoas mais jovens, de etnia africana e multirraciais, pessoas trans e pessoas com seguro de saúde público.


Nova York estuda COVID-19 em pessoas com VIH
Diapositivo da apresentação do Dr. Viraj Patel na AIDS 2020.

Nova York estuda COVID-19 em pessoas com VIH

As pessoas com VIH passaram um período de tempo semelhante no hospital em comparação com os pacientes com COVID-19 seronegativos e tiveram uma taxa de mortalidade comparável durante o auge do surto na cidade de Nova York. Contudo, eram mais propensas a usar ventiladores, de acordo com um estudo apresentado na conferência.

O estudo de coorte retrospetivo centrou-se em 100 pessoas que vivem com VIH e 4513 seronegativas que foram hospitalizadas entre março e maio no Bronx, um dos epicentros do surto de COVID-19 da cidade de Nova York. Pouco mais da metade eram homens e as idades medianas eram 62 e 65 anos, respetivamente. Aproximadamente 40% eram de etnia africana, uma proporção semelhante era latina e 6% eram caucasianos. A maioria estava no Medicaid (cobertura para pessoas com baixos redimentos) ou Medicare (cobertura para pessoas idosas), com apenas cerca de 15% possuindo seguro de saúde privado. Entre as pessoas que viviam com VIH, 81% tinham uma carga viral suprimida, no entanto, cerca de uma em cada cinco tinha uma contagem de CD4 abaixo de 200.

Não houve grande diferença na maioria dos resultados entre os pacientes com VIH e os seronegativos, incluindo o tempo de permanência no hospital (cinco dias em ambos os grupos), taxas de lesão renal aguda ou probabilidade de morte durante o internamento (22% vs 24%, respetivamente). As pessoas com VIH tiveram uma maior taxa de intubação e ventilação mecânica, mas a diferença não foi estatisticamente significativa. Inesperadamente, o estudo constatou que a probabilidade de intubação e morte no hospital era maior para pessoas com supressão viral em comparação com aquelas com o VIH não controlado.

Um outro estudo analisou as características clínicas e imunológicas em 93 pessoas com VIH e com COVID-19 atendidas em cinco serviços de urgência em Nova York em março e abril. Este estudo não teve um grupo controle seronegativo para comparação.

Este revelou que as pessoas com VIH apresentavam níveis mais altos de inflamação e citocinas, indicando a capacidade de ter uma forte resposta inflamatória ao novo coronavírus, permanecendo assim em risco de COVID-19 grave, apesar de tomarem terapia antirretroviral.

O Dr. John Hsi-en Ho subinhou que havia limitações ao teste de coronavírus durante este período e tendia a ser reservado para pessoas mais doentes, portanto, é improvável que este grupo seja representativo de todas as pessoas com VIH e  com COVID-19.


COVID-19 acelera a implementação da dispensa para vários meses
Imagem: Uma farmácia. Juliette Humble / DFID. Licença Creative Commons.

COVID-19 acelera a implementação da dispensa para vários meses

A interrupção associada ao COVID-19 acelerou a mudança na prestação de serviços de tratamento de VIH na África subsaariana, com o reabastecimento de terapia antirretroviral (TARV) para três e seis meses sendo agora muito mais amplamente implementado.

A distribuição para vários meses reduz a necessidade de visitas mensais ao hospital e, desde 2016, a Organização Mundial da Saúde recomenda-o para pacientes estáveis como parte da prestação de serviços diferenciados. O objetivo do atendimento diferenciado é que as pessoas com necessidades médicas menos complexas recebam mais cuidados na comunidade, liberando recursos médicos para as pessoas que iniciam o tratamento e aquelas com necessidades mais complexas.

Na conferência virtual, um póster descreveu a experiência de 14 países africanos, com base nas informações fornecidas por especialistas nos ministérios da saúde em abril e maio.

Poucas semanas após os primeiros casos relatados de COVID-19 em África, todos os países fizeram alterações aos seus programas de atendimento diferenciado e dez países alteraram políticas para que mais pessoas fossem elegíveis para a dispensa para vários meses. Alguns pacientes passaram da dispensa para três para a de seis meses. No entanto, a África do Sul suspendeu os seus planos de expandir a distribuição de vários meses devido ao receio de falta de stock de ART.

Outros modelos de atendimento diferenciado tiveram que ser reduzidos, com as intervenções de adesão e grupos comunitários de TARV (que envolvem grupos de pacientes que se reúnem regularmente e recebem seus medicamentos ao mesmo tempo) sendo modificados ou suspensos em 12 países.

Numa outra investigação, os clubes de adesão em Khayelitsha, na Cidade do Cabo, foram randomizados para duas ou cinco reuniões por ano. Foram incluídos 2150 pacientes em 88 clubes de adesão, com resultados avaliados após 24 meses. Não houve diferenças significativas em termos de retenção nos cuidados ou supressão viral. Os pacientes relataram achar as reuniões menos frequentes mais convenientes e flexíveis.


Dolutegravir em mulheres grávidas que vivem com HIV
Imagem: Rebecca Zash a apresentar os resultados do estudo Tsepamo na conferência AIDS 2018 em Amsterdão. Foto de Liz Highleyman.

Dolutegravir em mulheres grávidas que vivem com HIV

A exposição ao dolutegravir em torno da conceção ou no início da gravidez está associada a uma diferença pequena, mas não estatisticamente significativa, no aumento do risco de defeitos do tubo neural em comparação com outros antirretrovirais, segundo o apresentado na conferência.

Defeitos do tubo neural são defeitos congénitos graves do cérebro, coluna vertebral ou medula espinhal. Em maio de 2018, o estudo Tsepamo, um programa contínuo de vigilância dos resultados do nascimento em Botsuana, identificou inesperadamente uma associação entre o uso do dolutegravir na conceção e defeitos do tubo neural. Os resultados de outros estudos foram inconclusivos, destacando a falta geral de dados de segurança sobre antirretrovirais na gravidez.

A Dra. Rebecca Zash apresentou dados atualizados de Tsepamo: mais 39.200 nascimentos foram registados desde a última atualização, elevando o total para 158.244 partos. A prevalência de defeitos do tubo neural entre bebés nascidos de mulheres sob dolutegravir no momento da conceção parece ter-se estabilizando em aproximadamente 2 em 1000 (0,2%) partos em comparação com outros antirretrovirais em 1 em 1000 (0,1%).

“As mulheres não são uma população de nicho; manter a equidade de género requer dados de segurança na gravidez ”, comentou Zash. "Se não incluirmos mulheres nos ensaios, não protegeremos as mulheres".

Foram também apresentados na conferência os resultados de uma metanálise de cinco recentes ensaios clínicos randomizados na África Subsaariana, nos quais as mulheres grávidas tomaram um regime baseado em dolutegravir ou efavirenz. Os perfis de segurança foram semelhantes, mas houve maior supressão viral em mulheres sob dolutegravir.


Depo Provera pode piorar a perda óssea relacionada com o tenofovir
Imagem: Planeamento Familiar e Cuidado ao Recém-Nascido. Dominic Chávez The Global Financing Facility. Licença Creative Commons.

Depo Provera pode piorar a perda óssea relacionada com o tenofovir

O uso do Depo Provera para contraceção foi associado à duplicação da perda óssea em mulheres jovens que iniciaram a terapia antirretroviral (TARV) contendo tenofovir disoproxil fumarato (TDF), de acordo com um estudo apresentado na conferência.

Estudos anteriores demostraram que pessoas que vivem com VIH experimentam perda acelerada de densidade óssea e correm maior risco de osteopenia (baixa densidade mineral óssea) e osteoporose (perda mais severa da densidade óssea que pode levar a fraturas). O TDF é altamente eficaz e considerado geralmente seguro, mas pode causar perda de densidade óssea em indivíduos suscetíveis.

O acetato de medroxiprogesterona de depósito (DMPA),contracetivo injetável amplamente utilizado, também conhecido como Depo Provera, leva a níveis mais baixos de estrogénio que também podem causar perda de densidade óssea.

Investigadores no Uganda analisaram o efeito combinado de TDF e Depo Provera na densidade mineral óssea, recrutando mulheres com idades entre 18 e 35 anos de unidades de saúde em Kampala.

Eles compararam 159 mulheres com VIH que iniciaram TARV de primeira linha contendo TDF que tomavam Depo Provera, 106 mulheres com VIH que iniciaram TARV contendo TDF que não usavam contraceção hormonal e 69 mulheres seronegativas.

A densidade mineral óssea foi avaliada a cada seis meses por dois anos. No início do estudo, a densidade óssea das mulheres seropositivas não era significativamente diferente da das mulheres seronegativas. Com o tempo, porém, a taxa de perda óssea foi maior nas mulheres com VIH, com a maior perda observada entre as que usavam Depo Provera.

Os investigadores sugerem que métodos contracetivos alternativos e regimes antirretrovirais mais recentes são necessários para mitigar a perda óssea em mulheres jovens com VIH.


Muitas pessoas nos programas africanos de PrEP param e reiniciam a PrEP
Foto de Monique Jaques/Jhpiego

Muitas pessoas nos programas africanos de PrEP param e reiniciam a PrEP

Embora muitos programas da PrEP relatem taxas substanciais de desistência, é comum que as pessoas reiniciem a PrEP posteriormente, froram apresentados dados de três projetos diferentes de demonstração da PrEP na África Subsaariana no programa da conferência.

Mais de 47.000 pessoas foram incluídas nos três projetos no Quénia, Tanzânia e Lesoto. Os participantes eram principalmente jovens e membros de populações-chave, como profissionais do sexo e homens que fazem sexo com homens.

A análise assumiu que, se as pessoas voltassem para uma prescrição de PrEP mais de 14 dias após o término da PrEP diária, estariam a fazer um uso episódico, sendo a nova prescrição registada como um reinício da PrEP.

Cinquenta e cinco por cento das pessoas que vinham inicialmente para PrEP nunca voltaram. Daqueles que o fizeram, quase metade voltou assiduamente para as prescrições de PrEP e, portanto, presumivelmente usava PrEP diariamente. Os 53% restantes foram considerados "reinício" da PrEP.

Dos que recomeçaram, 66% pararam e recomeçaram apenas uma vez, 20% pararam duas vezes e 14% pararam três ou mais vezes. O maior preditor independente de interrupção da PrEP foi a idade mais jovem.

“É comum o uso errático da PrEP”, disse Jane Mutegi, da Jhpiego, na conferência. “Os clíncios devem antecipar o uso episódico e não assumir que o uso contínuo e indefinido seja o único uso eficaz ou a melhor opção de dosagem para todos.”

Uma outra análise investigou 193 mulheres jovens no Lesoto sobre sua perceção de risco para o VIH e os seus motivos para interromper e, algumas vezes, reiniciar a PrEP. Paradoxalmente, as mulheres que interromperam a PrEP tiveram 3,4 vezes mais chances de se perceber vulneráveis ao VIH. Por que pararam? O motivo mais comum foi um encontro que correu mal com um profissional de saúde (27%), enquanto 21% disseram que pararam devido a efeitos colaterais. "Eu não acho que estou em risco de HIV" foi citado apenas por 14%.


aidsmapLIVE: especial sobre AIDS 2020

aidsmapLIVE: especial sobre AIDS 2020

Nesta quinta-feira, 9 de julho, transmitiremos um especial do aidsmapLIVE AIDS 2020. Com a Susan Cole do NAM para discutir as maiores notícias da conferência estarão: Dra. Laura Waters, Presidente da Associação Britânica de VIH; Professora Linda-Gail Bekker, diretora adjunta do Desmond Tutu HIV Center; Oradora plenária da AIDS 2020 Lucy Wanjiku Njenga; e Gus Cairns, da NAM aidsmap.

Se perdeu a transmissão ao vivo, pode assistir no aidsmap.com e nas nossas páginas de media social.


    Análise científica da Clinical Care Options

    Análise científica da Clinical Care Options

    A Clinical Care Options é a fornecedora oficial de análises científicas on-line para a Conferência Internacional de SIDA 2020 através de resumos, slides para download, webinars especializados rápidos e comentários da ClinicalThought.