Outubro de 2013

Os governos da Europa de Leste falham em tomar medidas

A Europa de Leste está a enfrentar uma epidemia quadrupla de consumidores de droga por via injetada, infeção pelo VIH, tuberculose e hepatite C. No entanto, os governos falham em tomar medidas, segundo declarou recentemente o Enviado Especial da ONU para o VIH na Europa de Leste e Ásia Central, o professor Michel Kazatchkine na 14ª Conferência Europeia sobre SIDA, em Bruxelas.

“Se a epidemia na Europa de Leste não for controlada, serão os governos da região os responsáveis pela tragédia humana que está a assolar os seus países”, afirmou.

Na região, a prevalência do VIH aumentou até 140% em 10 anos, as mortes por SIDA estão a aumentar e apenas 30% das pessoas que precisam de tratamento antirretroviral conseguem aceder.

Embora o uso de drogas por via injetada seja a principal via de transmissão, há resistência política em resolver esta questão e os poucos programas de redução de riscos existentes são, na maioria, financiados por doadores externos. Kazatchkine afirmou que, mesmo os relativamente baixos aumentos na disponibilização de material para consumo injetado, terapêutica de substituição opiácea e terapêutica antirretroviral podem reduzir significativamente o número de infeções pelo VIH, desde que estas três abordagens sejam usadas em conjunto.

Cerca de 40% das infeções pelo VIH na região são descritas como “grupo de exposição desconhecida”. Julga-se serem resultantes de práticas sexuais entre homens, sub reportadas por serem estigmatizadas e, muitas vezes, consideradas ilegais.

Na Rússia, a nova legislação baniu “a disponibilização de informação sobre práticas sexuais não tradicionais”. É provável que a lei impeça atividades na área da prevenção do VIH direcionadas a homens que têm sexo com homens. Uma lei semelhante foi proposta recentemente na Moldávia e foi rejeitada por pouco pelo parlamento armênio no passado mês.

A European AIDS Clinical Society (EACS) condenou fortemente o ambiente legal e político que está a ser criado. “Estamos preocupados que estas medidas afetem não apenas os direitos humanos mais básicos, mas que resultem em políticas de saúde perigosas, uma vez que se somam às já existentes e que constituem barreiras nas áreas da prevenção da infeção pelo VIH, diagnóstico, acesso e retenção nos cuidados de saúde”, segundo declarou o representante da EACS. “O quadro legal dos Estados deveria fazer tudo para reduzir a estigmatização.”

O Professor Kazatchkine apelou à União Europeia para se concentrar em questões de saúde na região, assumindo uma postura ética clara contra a homofobia e a xenofobia. E, além disso, deve ter especial foco nos estados membros da região do báltico e sudoeste europeu, afirmou.

Comentário: Os políticos russos têm sido muito resistentes ao lóbi de políticos estrangeiros sobre questões de direitos humanos. Embora o lóbi de organizações não-governamentais estrangeiras ou de médicos possa não ter impacto imediato, pode incentivar os médicos locais a falar. Na Ucrânia, os doentes advogaram com bons resultados por melhor acesso ao tratamento e diagnósticos.

Orientações da EACS – tratamento como prevenção

A revisão das orientações sobre tratamento do VIH da European AIDS Clinical Society (EACS) manteve o limite recomendado na contagem de células CD4 de 350/mm3 como critério para iniciar o tratamento antirretroviral.

Contudo, as novas orientações enfatizam que, em todas as situações, é importante o médico e o doente “discutirem” e “considerarem” o tratamento antirretroviral. O documento faz referência ao facto de o tratamento reduzir a transmissão da infeção pelo VIH como potencial razão para o tomar.

Os autores afirmam que as orientações são pensadas para criar um equilíbrio entre o “tratamento individualizado e a saúde pública”. 

Comentário: O comité que elaborou o documento teve em atenção que o tratamento antirretroviral é escasso em muitos países europeus. As orientações referem que o tratamento deve ser mais prioritário para pessoas com contagem de células CD4 abaixo de 350/mm3 ou com co-morbilidades do que para pessoas que queiram iniciar o tratamento com propósitos de prevenção. A contrastar, os especialistas que redigiram as orientações em locais com recursos como a França ou os E.U.A. recomendaram recentemente a terapêutica para todas as pessoas diagnosticadas com infeção pelo VIH.

Fazer do tratamento como prevenção uma realidade para as pessoas que usam drogas por via injetada

De acordo com os oradores da sessão Controlling the HIV Epidemic with Antiretrovirals: From Consensus to Implementation, numa recente conferência em Londres, as pessoas que consomem drogas por via injetada correm o risco de não serem consideradas como grupo prioritário em países que estão a trabalhar para aumentar a cobertura do tratamento antirretroviral, a não ser que grandes esforços sejam feitos para que sejam desenvolvidos serviços apropriados.

Alcançar taxas elevadas de supressão viral entre pessoas que usam drogas por via injetada apresenta um conjunto distinto de desafios no que diz respeito ao envolvimento deste grupo nos cuidados de saúde e adesão ao tratamento. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, as pessoas que consomem drogas por via injetada têm maior probabilidade de serem presas, menor probabilidade de terem seguro de saúde, menor probabilidade de terem uma habitação estável, menor probabilidade de serem atendidas regulamente pelo mesmo médico sempre que procuram os serviços de saúde e maior probabilidade de terem consumos problemáticos que interferem na adesão ao tratamento.

Os investigadores mostraram ainda uma forte tendência entre os médicos de deferir o tratamento antirretroviral a pessoas que injetam drogas, mesmo quando as pessoas precisam de tratamento imediato. 

Mesmo com o acesso ao tratamento em níveis tão baixos, há um forte potencial para que tal seja melhorado e para que os benefícios da prevenção sejam concretizados. A província do Canadá, British Columbia, é frequentemente referida como exemplo para salientar o impacto de uma política de “procurar e tratar” novos diagnósticos de infeção pelo VIH.

A província teve um declínio de 1% de diagnósticos de infeção pelo VIH para cada 1% de cobertura de tratamento, com uma melhoria pronunciada no grupo de pessoas que injetam drogas.

Contudo, as outras províncias do Canadá não seguiram a mesma política, influenciadas por políticos federais que assumem uma atitude moralista perante esta realidade.

Comentário: Na British Columbia, os serviços de redução de riscos, incluindo locais de consumo supervisionado, aumentaram significativamente no mesmo período de tempo como rampas para o acesso ao tratamento. É provável que tenha havido sinergias entre os dois programas, o que pode explicar o decréscimo de novas infeções entre pessoas que consomem por via injetada comparativamente a outros grupos. Além disso, a abordagem da província para melhorar o acesso ao tratamento envolve trabalhar barreiras como a adição, saúde mental e situações de sem-abrigo. Os serviços holísticos que trabalham com uma variedade de assuntos sociais e de saúde têm probabilidade de maior sucesso quando fidelizam pessoas que injetam drogas.

Quem irá tomar a PrEP?

A adoção da profilaxia pré-exposição (PrEP) e a prova de que se trata de um método eficaz de prevenção da infeção pelo VIH depende crucialmente da avaliação subjetiva individual do próprio de infeção pelo VIH e de crenças morais e culturais sobre se a devem tomar, segundo se ouviu durante a conferência em Londres.

Ferramentas de rastreio que identifiquem as pessoas que poderiam beneficiar da PrEP podem ser necessárias desenvolver, uma vez que as pessoas nem sempre conseguem estimar o próprio risco. Por exemplo, um estudo demonstrou que um em cada sete homens gay consideraram estar em elevado risco de contrair a infeção pelo VIH, enquanto que uma avaliação “objetiva” utilizada pelos investigadores concluiu que três quartos dos homens estava em elevado risco.

Mas as perceções da PrEP podem mudar ao longo do tempo e com a experiência. Os médicos em S. Francisco reportaram que as pessoas sob PrEP percebiam as vantagens do tratamento, incluindo uma diminuição da ansiedade relativamente à transmissão, aumento na comunicação e revelação do estatuto serológico aos parceiros, maior intimidade e prazer sexual. As desvantagens incluíram sentimento de estigmatização devido à associação da PrEP à infeção pelo VIH ou ao sexo de risco e atitudes negativas de alguns profissionais de saúde.

Comentário Tomar a PrEP todos os dias requer que as pessoas antecipem que vão precisar de proteção extra contra o VIH, mas com os preservativos presentes frequentemente com eficácia de 100% e com a não utilização do preservativo altamente estigmatizada em alguns contextos, reconhecer o risco pode ser um desafio para algumas pessoas.

O diagnóstico tardio é um problema à escala europeia

O diagnóstico tardio da infeção pelo VIH continua a ser um problema grave em toda a Europa, segundo os resultados de um grande estudo. Investigações anteriores analisaram individualmente as taxas de diagnóstico tardio nos países, mas pouco se sabe sobre as tendências europeias e os dados da Europa de Leste são escassos. 

O estudo incluiu dados de mais de 85 000 pessoas diagnosticadas com infeção pelo VIH entre 2000 e 2001 em 35 países europeus. No geral, 54% dos doentes foram diagnosticados tardiamente (com contagem de células CD4 inferior a 350/mm3) e 33% em estado muito avançado (com contagem de células CD4 abaixo de 200/mm3).

Os dados de diagnóstico tardio foram especificamente elevados entre os homens heterossexuais, migrantes africanos e de outras regiões, pessoas mais velhas e pessoas da Europa de Leste. Houve uma diminuição na proporção de diagnósticos tardios nos homens gay e heterossexuais na Europa do Norte e Central durante a duração do estudo. A taxa de apresentação tardia também desceu ao longo do período do estudo entre mulheres heterossexuais na Europa de Leste.

Contudo, as taxas de diagnóstico tardio aumentaram nos homens que injetam drogas no sul da Europa e entre os homens e mulheres que injetam drogas na Europa de Leste.

O diagnóstico tardio foi associado ao aumento das taxas de SIDA e morte, em particular, no primeiro ano após a infeção pelo VIH.

Comentário: O diagnóstico tardio além de colocar as pessoas em risco de doenças graves, é um indicador de problemas nas políticas e práticas de rastreio de VIH. As pessoas cuja infeção permanece por diagnosticar não podem beneficiar do tratamento antirretroviral, podem ter carga viral elevada e podem colocar, sem saber, os parceiros em risco de contrair a infeção.

Investigação sobre vacinas

A 13ª Conferência sobre Vacinas decorreu em Barcelona este mês. Apesar de ter iniciado com a publicação das conclusões de outro ensaio clínico com resultados negativos, os cientistas estão mais otimistas sobre as perspetivas de eventualmente encontrarem uma vacina eficaz. Em particular, houve algum entusiasmo sobre o estudo de uma vacina aplicada em macacos que usa o vírus do tipo herpes designado por citomegalovírus (CMV) como veículo para entregar proteínas inativas do macaco equivalentes ao VIH. Esta vacina não preveniu a infeção pelo VIH, mas quase metade dos macacos vacinados controlaram a infeção ou eliminaram-na completamente.

A vacina que demonstrou um efeito modesto de proteção num estudo em humanos, na Tailândia, será testada em ensaios futuros na África do Sul e na Tailândia para observar se o nível de proteção pode melhorar. Se esta vacina provar ser eficaz nestes ensaios, pode ser licenciada para uso em algumas populações até 2022. Para ser apresentada para aprovação de comercialização os ensaios têm de demonstrar que a vacina é eficaz e que reduz o risco de infeção pelo VIH pelo menos em 50%.

Uma equipa da Universidade de Oxford anunciou os resultados preliminares de um ensaio de uma potencial vacina eficaz feita a partir de encadeamentos dos elementos mais imuno-estimulantes do VIH. E, a longo prazo, as vacinas baseadas na família dos herpes virais podem vir a provar ser tão eficazes e versáteis em humanos como em macacos, com a divulgação de uma vacina para a TB com o mesmo conceito e uma outra combinação de uma vacina para o VIH com a vacina já existente da varicela.

Maior escolha de modelos do preservativo feminino

Vários novos modelos do preservativo feminino estão a ser introduzidos. Espera-se que uma maior escolha possa encorajar decisores políticos e profissionais de saúde a melhorar a disponibilização de preservativos femininos, dando às mulheres mais opções.

O primeiro modelo de preservativo feminino, o Femidom, foi introduzido em 1993, substituído em 2007 por um modelo melhorado mais suave e menos ruidoso. Outros fabricantes desenvolveram agora várias versões alternativas com diferentes características, formas, materiais e diferentes níveis de lubrificante.

Um estudo que comparou quatro modelos diferentes concluiu que qualquer deles tinha uma baixa taxa de falhas como rompimento, deslizar para fora da vagina, ou de o pénis ser inserido entre o preservativo e a parede da vagina. Os modelos foram também bem classificados pelas mulheres que os usaram, em termos de sensibilidade e facilidade de uso.

Os quatro modelos receberam a marca European Union CE (ou seja, estão de acordo com os critérios de segurança da EU, saúde e requerimentos ambientais).

Comentário: Uma das principais barreiras para o uso alargado de preservativos femininos tem sido a frequente ausência de programas que os promovam e distribuam. As intervenções que incentivem as pessoas heterossexuais a encontrar um preservativo que se adeque a si (em termos de tamanho, forma, e material) precisam de aumentar o conhecimento sobre as opções relacionadas com o preservativo feminino. 

Outras notícias recentes

Testes especiais e campanhas de marketing social aumentam a deteção da primo infeção pelo VIH entre os homens gay

Médicos canadianos demonstraram que um forte aumento no diagnóstico da primo infeção pelo VIH (muito recente) pode ser alcançado utilizando uma variedade de testes NAAT em conjunto com o teste tradicional de anticorpos e a promoção do rastreio em campanhas de marketing social para homens que têm sexo com homens. A mudança resultou num aumento significativo no número de homens diagnosticado com primo infeção, de 1,03 por 1000 homens testados antes da mudança para 1,84 por 1000 homens após. A nova política de rastreio foi apenas implementada em clínicas que fazem o diagnóstico num número elevado de homens gay, e foi particularmente eficaz num centro de base comunitária – só este local fez o diagnóstico a um terço das primo infeções.

Muitas pessoas seropositivas para a infeção pelo VIH não recebem aconselhamento como recomendado

Metade das pessoas que vivem com VIH nos E.U.A. não estão a receber aconselhamento sobre saúde sexual como parte dos cuidados de rotina, segundo demonstrado num estudo. Apenas 44% reportou receber aconselhamento individual de profissionais de saúde; enquanto 30% recebeu de trabalhadores na área da prevenção do VIH e 16% tinha participado num pequeno grupo de intervenção no ano anterior. As pessoas que receberam aconselhamento tinham maior probabilidade de ter rendimentos mais baixos, de não ser caucasianos e reportar comportamentos sexuais de risco. Mesmo assim, apenas 61% das pessoas que reportaram relações sexuais desprotegidas receberam algum tipo de intervenção.

Nem todos os homens que frequentam “slam parties” injetam drogas

Um questionário salientou divergências sobre as práticas dos homens franceses que frequentam as “slam parties”. Estes eventos são normalmente conhecidos como festas para sexo em grupo onde os homens gay consomem drogas como metanfetaminas ou mefedrona, muitas vezes por via injetada, como forma de prolongar a atividade sexual. Quase todos os homens usaram alguma droga, mas uma minoria significativa não injetou e alguns não tiveram sexo desprotegido.

Escolhas do editor de outras fontes

Michel Kazatchkine: 24 horas em Bucareste

Fonte: Huffington Post

Na semana passada, fiz uma visita curta a Bucareste para perceber a origem do recente surto de infeção pelo VIH em pessoas que usam drogas na cidade. Estou desanimado por dizer que muitos dos medos que nós, que trabalhamos na área da saúde global tínhamos sobre o impacto negativo da epidemia do VIH/SIDA causada pela retirada do Fundo Global contra a SIDA, Malária e Tuberculose de vários países, incluindo da Roménia, se tornaram realidade.

Autoridades locais e regionais disponibilizam soluções inovadoras para assegurar os cuidados de saúde a pessoas em situação irregular

Fonte: Platform for International Cooperation on Undocumented Migrants (PICUM)

Embora as políticas a nível nacional e estruturas de financiamento muitas vezes restrinjam os migrantes em situação irregular de aceder a direitos básicos como saúde ou educação, estão a ser encontradas cada vez mais soluções no terreno a nível local e regional. A Platform for International Cooperation on Undocumented Migrants (PICUM) está preocupada na forma como estas discrepâncias podem ter impacto no papel das autoridades municipais e governos locais na implementação efetiva de medidas que assegurem o acesso a serviços básicos para todos.

Compromisso com os cuidados: a última fronteira da infeciologia

Fonte: Treatment Action Group

Demasiadas pessoas que vivem com VIH não estão a aceder aos cuidados que precisam para beneficiarem pessoais e de saúde pública da terapêutica antirretroviral. Considerando que há dezenas de ensaios clínicos para determinar quais os regimes terapêuticos a usar em circunstâncias particulares, as evidências para informar sobre as práticas e as políticas no envolvimento dos cuidados é, no mínimo, limitada.

Investigadores lançam o primeiro estudo de fase II sobre microbicida retal para prevenir a infeção pelo VIH

Fonte: Eurekalert Inf Dis

Dando um importante passo para o desenvolvimento de um produto que previne a infeção pelo VIH associado ao sexo anal desprotegido, os investigadores anunciaram hoje o início de um ensaio global de fase II de um potencial microbicida retal. O ensaio, liderado pelo US National Institutes of Health-funded Microbicide Trials Network, está a testar o uso retal de uma formulação de gel de glicerina do fármaco antirretroviral tenofovir.

Suíça: sim ao Epidemics Act: discriminação nos casos penais contra pessoas que vivem com VIH foi eliminada

Fonte: Positive Council

Os eleitores suíços disseram sim ao novo Epidemics Act. Este coloca um fim aos muitos anos de discriminação nos casos penais contra pessoas que vivem com VIH. Sob esta nova lei, a transmissão de uma doença humana perigosa apenas é penalizada se o perpetrador agir com intenção maliciosa.