Setembro de 2015

Não foram encontradas infeções pelo VIH entre utilizadores de PrEP referenciados através de cuidados de saúde primários em São Francisco

Um programa que disponibiliza a profilaxia pré-exposição (PrEP) em São Francisco, através da referenciação nos cuidados de saúde primários, não encontrou uma única infeção pelo VIH entre os utilizadores desde o seu início em 2012. Isto acontece apesar dos elevados níveis de infeções sexualmente transmissíveis (IST) que não o VIH e, em cerca de 40% dos utilizadores, de uma redução do uso de preservativo. De um total de 1 054 pessoas encaminhadas para o programa através dos seus médicos de família, 657 pessoas começaram a tomar a PrEP. A taxa de referenciação está a aumentar, tendo a sua maioria ocorrido no ano anterior. No editorial das conclusões do estudo, Kimberley Koester e Bob Grant, o principal investigador do estudo pioneiro iPrEx sobre PrEP, comentaram que é importante manter o foco no objetivo final – nenhuma nova infeção pelo VIH – vendo-o como “um resultado esperado e muito desejado”. Salientam, porém, que este é o momento para “uma conversa importante sobre infeções sexualmente transmissíveis, colocadas durante muito tempo em segundo plano pelo receio das infeções pelo VIH”. Sugerem que a PrEP poderá disponibilizar mais oportunidades quer em contexto hospitalar, quer em contexto comunitário, para debater e rastrear outras IST.

Comentário: Ainda que existam algumas ressalvas em relação à redução do uso de preservativo e às elevadas taxas de IST (embora, sem termo inicial de comparação, não saibamos se estes aumentaram), este resultado é impressionante, demonstrando uma eficácia de 100% junto daqueles que iniciaram a PrEP, num contexto comunitário no “mundo real”. Esta informação poderá apaziguar o receio de que as taxas de adesão e eficácia reduzam à medida que aumenta o uso da PrEP. O aumento da preocupação em relação às outras IST é perfeitamente justificável, mas será uma forma de calcular quão bem-sucedida é a PrEP em relação à infeção pelo VIH.

Programa espanhol de rastreio do VIH em farmácias deteta muitas novas infeções

Um programa no qual são disponibilizados testes de rastreio da infeção pelo VIH de 30 minutos e a preços baixos em 110 farmácias de três regiões espanholas, diagnosticou 200 novas infeções. Este valor representa um em cada nove dos diagnósticos de infeção pelo VIH nas três regiões durante o período de duração do estudo. A maioria dos homens heterossexuais diagnosticados no estudo nunca tinha feito um rastreio anterior. A proporção de homens heterossexuais infetados pelo VIH era mais elevada entre aqueles que nunca tinham feito o rastreio. A prevalência da infeção entre homens gay era superior em 40% às estimativas regionais.

A região de Castilla y León, rural e com baixa densidade populacional, teve taxas particularmente elevadas de pessoas que nunca tinham feito o teste anteriormente e de diagnósticos em homens e pessoas jovens. Nas três regiões, um em cada 29 homens gay que fez o teste de rastreio estava infetado com VIH, sendo o valor de um em cada 200 entre heterossexuais. Entre as mulheres, a prevalência do VIH era o dobro da média na região da Catalunha, área com uma elevada proporção de imigrantes. A prevalência do VIH era três vezes superior entre pessoas nascidas na América Latina do que nas pessoas nascidas em Espanha.

Comentário: Este é sem dúvida o maior programa de rastreio já realizado em farmácias e é positivo que a aceitação das comunidades locais pareça ser elevada. Em Espanha as farmácias costumam ser pequenos negócios familiares com áreas de influência e podem ser a forma mais simples de interagir com profissionais de saúde. Tal como é comentado pelos autores, o rastreio em farmácias é uma adição particularmente importante a outros programas de rastreio, pelo menos no contexto espanhol, e poderá ser adequado para regiões sem grandes cidades e sem serviços de rastreio para o VIH

Elevada taxa de diagnósticos de VIH em clínicas de IST holandesas, mas perdem-se oportunidades de diagnóstico nos cuidados de saúde primários

Dois estudos holandeses demonstram que, embora a proporção de pessoas que vivem com VIH e que estão diagnosticadas tenha melhorado nos últimos anos, esta fica atrás de alguns países da Europa Ocidental na taxa de diagnósticos da infeção pelo VIH, pois esta não melhorou minimamente junto de alguns grupos

As taxas de diagnósticos entre as pessoas que frequentam clínicas de saúde sexual eram elevadas entre homens que têm sexo com homens (HSH), dos quais, de acordo com as estimativas, apenas 14% estão por diagnosticar. As taxas são também elevadas junto das populações heterossexuais não migrantes (16% por diagnosticar). Mas eram consideravelmente inferiores entre os HSH que não frequentam clínicas de saúde sexual (35% por diagnosticar), entre migrantes africanos que visitam as clínicas (46% por diagnosticar) e entre migrantes que não frequentam estas clínicas (cerca de 50%). Um segundo estudo, conduzido entre pessoas que frequentam seis clínicas de cuidados de saúde primários, concluiu que a maioria das pessoas eventualmente diagnosticadas com a infeção pelo VIH tinha visitado o seu médico de família mais do que uma vez no ano anterior ao diagnóstico e que tinha mais consultas médicas e análises ao sangue que o grupo de controlo, com membros com características semelhantes, mas que não vivem com VIH. Tinham também uma probabilidade muito superior de terem sido diagnosticados com uma infeção sexualmente transmissível (IST) ou pelo menos uma de uma lista de doenças e sintomas associados ao VIH, em comparação com os membros do grupo sem infeções pelo VIH.

Comentário: Estes resultados não divergem dos de outros países da Europa Ocidental, embora a proporção de pessoas que vive com VIH, que não foi diagnosticada, e também que não fez o rastreio a IST seja superior à de países como França ou o Reino Unido. Tendo em conta que muitas pessoas que vivem com VIH não sentem necessidade de visitar uma clínica de IST ou que podem preferir ter uma consulta com o seu médico de família, é fundamental que os profissionais dos cuidados de saúde primários recebam uma melhor formação e que existam boas linhas orientadoras a nível nacional sobre as doenças indicadoras de infeção pelo VIH.

Transmissão de VHC por via sexual está a aumentar entre homens gay e bissexuais que vivem com VIH

De acordo com as conclusões de uma análise de estudos, a transmissão do vírus da hepatite C (VHC) por via sexual está a ocorrer entre homens seropositivos para o VIH que têm sexo com outros homens (HSH), estando associada a sexo anal recetivo e consumo de drogas por via não injetada. Concluiu também que um pequeno subgrupo de homens poderá ter uma maior probabilidade de se reinfetar após a cura da infeção pela hepatite C.

De acordo com as conclusões dos investigadores, se mil HSH seropositivos para o VIH forem seguidos ao longo de um ano, aproximadamente cinco iriam contrair a infeção pelo VHC - ou seja, uma incidência anual de 0,5%. Este valor é muito inferior às taxas entre pessoas que usam drogas e também inferior à incidência do VIH entre homens gay seronegativos. Mas os investigadores têm visto um aumento nos últimos anos: a incidência anual subiu de 0,42% em 1991 para 1,34% em 2012. A análise demonstrou também que a taxa de reinfeção entre HSH com VIH que concluíram um tratamento bem sucedido para o VHC era 20 vezes superior, com uma incidência anual na região de 12 - 16% - dentro dos valores encontrados entre pessoas que consomem drogas por via injetada. O VHC estava primeiramente associado a sexo anal recetivo sem preservativo, sexo "traumático" que pode causar danos na mucosa rectal ou sangramento, fisting, sexo sob o efeito de metanfetaminas ou inalação de drogas.

Comentário: Uma vez que agora conseguimos tratar a hepatite C de forma eficaz, mas que este tratamento é dispendioso, é importante que se tente disponibilizar um aconselhamento muito eficiente e desenvolver estratégias de gestão de risco que possam ser utilizadas por este subgrupo de homens gay que estão particularmente vulneráveis à infeção pela hepatite C. Nos dois estudos europeus de PrEP, nos quais a incidência do VIH entre homens que não estavam sob PrEP era de 9% e de quase 7% respetivamente, a incidência da hepatite C era de 3,1% (entre aqueles que fizeram o rastreio à hepatite C) e de 2% respetivamente, o que demonstra que aqueles que podem beneficiar com um rastreio regular à infeção pela hepatite C e aconselhamento para redução de danos não são apenas os homens que já vivem com VIH, mas também uma elevada proporção dos homens que tentam aceder à PrEP. Os investigadores sugeriram que fazer o rastreio para a infeção pela hepatite C apenas quando surgem sintomas como o aumento das enzimas hepáticas não era adequado nesta nova era de tratamento.

Estudos concluem que carga viral indetetável está a tornar-se parte da vida sexual

Vários estudos recentes concluíram que os homens gay e casais serodiscordantes estão cada vez mais familiarizados com o impacto do tratamento para o VIH na infecciosidade, que estão a começar a encarar uma carga viral indetetável como uma meta importante e que isso tem um efeito positivo nos relacionamentos que eram anteriormente considerados de risco elevado.

Um estudo canadiano conduzido com homens gay a viver com VIH, concluiu que o conhecimento sobre a sua própria carga viral indetetável fazia parte das suas vidas e da tomada de decisões sobre a sua vida sexual. Ter uma carga viral indetetável ajuda muitos homens a sentirem-se "responsáveis" e "normais". 

De modo semelhante, um estudo australiano concluiu que compreender o impacto do tratamento antirretroviral na prevenção faz com que se altere a experiência de estar num relacionamento com um parceiro com diferente estatuto serológico. A carga viral indetetável parece estar a reduzir a associação de relacionamentos serodiscordantes (nos quais um parceiro vive com VIH e o outro não) ao "risco" e a permitir que os casais vejam os seus relacionamentos como sendo normais e seguros. 

Por último, quase metade dos homens gay americanos (43% dos seronegativos e 62% dos seropositivos para o VIH) inquiridos através de uma grande aplicação de encontros disse que pelo menos um possível parceiro sexual tinha indicado estar sob profilaxia pré-exposição (PrEP) e que ainda mais (68% entre os seronegativos e 90% dos seropositivos para o VIH) tinham interagido com alguém que tinha afirmado viver com VIH mas ter carga viral indetetável. Os investigadores criaram a expressão "correspondência biomédica" para os homens serodiscordantes que decidiram começar a ter sexo sem preservativo quando o parceiro seropositivo atingiu carga viral indetetável e o seronegativo iniciou a PrEP - ou em parceiros sexuais seronegativos quando ambos se encontram sob PrEP. 

Comentário: A informação sobre a carga viral indetetável e, em particular, a infecciosidade, levou muito tempo até ter um impacto na vida das pessoas que vivem com VIH e dos seus companheiros. A investigadora australiana comentou que quando tinha investigado inicialmente este assunto em 2009, pouco após ter sido lançada a “Declaração Suíça”, as pessoas que se encontravam em relacionamentos com alguém com um estatuto serológico diferente demonstravam muitas vezes ceticismo ou desconfiança sobre a ideia de que o tratamento antirretroviral podia tornar uma pessoa não infeciosa. Nas suas entrevistas mais recentes, conduzidas em 2013 e 2014, os casais já discutiam entre si as implicações de se ter carga viral indetetável.

Um terço das pessoas que vivem com VIH falham deliberadamente doses de tratamento quando planeiam consumir álcool ou drogas

Falsas ideias sobre possíveis interações tóxicas entre a terapêutica antirretroviral (TAR), drogas recreativas e álcool fazem com que muitas pessoas que vivem com VIH saltem doses do tratamento de forma deliberada. O estudo, conduzido com 530 pessoas em Atlanta, nos Estados Unidos da América, concluiu que 35% dos inquiridos tinha falhado doses de tratamento devido a crenças sobre possíveis interações com drogas ou álcool.

Esta não adesão planeada está associada a uma adesão ao tratamento abaixo do desejado e a um mau controlo da carga viral. Os participantes com uma não adesão propositada tomavam 79% das doses da sua terapêutica antirretroviral, sendo o valor de 85% nos outros participantes. Um terço dos participantes que falhava propositadamente as suas doses de TAR tinha carga viral detável, comparado com 22% dos participantes que não reportaram uma não adesão deliberada.

Os participantes interrompiam a sua terapêutica antirretroviral por acreditarem que os seus consumos de drogas recreativas e de álcool iriam impedir que a terapêutica tivesse efeito, que conduziria a efeitos secundários ou que poderia conduzir a overdoses. Embora alguns medicamentos antirretrovirais interajam com drogas recreativas, no geral as preocupações dos participantes do estudo não tinham fundamento.

Comentário: Este estudo é interessante pois as suas conclusões eram inesperadas: não sabíamos que muitas das pessoas que usam drogas recreativas achavam que era sempre inseguro combiná-las com a sua terapêutica antirretroviral. Tal pode não se dever a uma falta de compreensão sobre as relativamente poucas interações com as quais é preciso ter cuidado – sobretudo com os medicamentos potenciadores ritonavir e cobicistate – mas a informações imprecisas ou excessivamente calculosas transmitidas por profissionais de saúde.

Outras notícias recentes

Publicados resultados do estudo PROUD sobre PrEP

Os resultados do estudo PROUD sobre profilaxia pré-exposição (PrEP) em toma diária com tenofovir e emtricitabina (Truvada®) foram agora publicados no jornal científico The Lancet. O PROUD, em conjunto com o estudo randomizado sobre a PrEP conduzido na Europa, o Ipergay, demonstrou níveis consideravelmente mais elevados de eficácia na prevenção da infeção pelo VIH que quaisquer outros estudos anteriores. São poucas as diferenças entre os resultados publicados no The Lancet e aqueles apresentados numa conferência em fevereiro, mas a publicação neste jornal é importante para a disponibilização da PrEP na Europa. A European Medicines Agency (EMA), que regula o licenciamento de medicamentos, e o European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC), que lança recomendações de saúde pública, exigem que os estudos publiquem no jornal para que estes sejam incluídos nas suas evidências.

Homens gay no Uganda falam sobre o motivo pelo qual não usam sempre preservativo

Os homens gay e outros homens que têm sexo com homens no Uganda que não tinham usado preservativo na sua última relação sexual anal com outro homem, tinham uma maior probabilidade de justificar este não uso devido ao facto de estes não serem suficientemente fortes para sexo anal, à ausência de lubrificante adequado e, em zonas rurais, à falta de acesso a preservativos.

Análise dos E.U.A. afirma que é necessário lidar com principais obstáculos para que a PrEP tenha impacto

Um estudo dos Estados Unidos da América reporta que a adesão à PrEP entre as populações que dela necessitam corre o risco de vir a ser limitada devido a baixos níveis de informação, falhas nos seguros de saúde, procedimentos burocráticos opacos, baixo recurso a serviços médicos e informação limitada da parte dos profissionais de saúde. Os investigadores concluíram que apenas 15% dos homens gay de Atlanta que poderiam beneficiar da toma da profilaxia conseguirão estar protegidos da infeção pelo VIH através da toma da PrEP. A maior barreira a um uso eficaz da PrEP era a falta de informação.

Campanha de rastreio na Tailândia indica modo como as culturas locais podem influenciar atitudes em relação a teste

Uma campanha para encorajar os homens gay e outros homens tailandeses que têm sexo com homens a fazer o rastreio da infeção pelo VIH, pelo menos uma vez por ano, teve um sucesso modesto, com as taxas de testes a aumentar ligeiramente ao longo do período do estudo. Contudo, as taxas de rastreios repetidos estão muito abaixo dos 90% recomendados pelo Ministério de Saúde Pública da Tailândia (MOPH), estando apenas em 25% durante o período de um ano. Um dos aspetos mais intrigantes deste estudo foi o facto de concluir que é mais provável que o rastreio ocorra em datas próximas dos aniversários dos homens e em alturas festivas. Embora não tenha sido feito nenhum trabalho qualitativo para se compreender o motivo, os investigadores sugerem que as ideias budistas sobre a necessidade de se fazerem “boas ações” nos aniversários podem ser capitalizadas para aumentar o número de rastreios.

Notícias de outras fontes

Como a metadona está a promover adesão à TAR entre utilizadores de drogas na Ucrânia

Fonte: International HIV/AIDS Alliance

Em todo o mundo, estima-se que 1,65 milhões de pessoas que usam drogas por via injetada vivam com VIH. Porém, o acesso à terapêutica antirretroviral continua a ser um grande problema. Na 24ª Conferência Internacional sobre Redução de Danos, a decorrer na Malásia em outubro, serão apresentados programas com formas inovadoras para ajudar os utilizadores de drogas a aceder ao tratamento antirretroviral de que necessitam.

Ativistas gritam pela PrEP em Melbourne

Fonte: SameSame

Ativistas na área do VIH dirigiram-se às ruas de Melbourne, na Austrália, com uma campanha de bases abrupta e controversa que pretende recuperar urgentemente o debate sobre a PrEP. “YOU CAN F**K RAW” (“PODES F*DER SEM PRESERVATIVO”), dizem os pósteres encontrados no Central Business District de Melbourne. “PrEP WORK – NO MORE HIV” (“A PrEP FUNCIONA – ACABOU O VIH”).

Tendências de IST na Europa: taxas de clamídia estabilizam enquanto sobem números da gonorreia

Fonte: ECDC

Com a estimativa de 146 milhões de infeções por ano, a clamídia é a infeção sexualmente transmissível mais comum a nível mundial. A Europa não é exceção com quase 385 000 casos relatados só em 2013 e mais de 3 milhões entre 2004 e 2013. Mas ao passo que a tendência do número de infeções por clamídia parecem ter estabilizado nos últimos anos, as taxas de gonorreia aumentaram 79% desde 2008, sobretudo entre homens.

Doentes com VIH russos têm dificuldade em obter tratamento

Fonte: The Moscow Times

Quando os responsáveis de cuidados de saúde russos anunciaram que iriam começar a substituir a medicação antirretroviral estrangeira com medicamentos produzidos na Rússia, os ativistas pelos direitos dos doentes apontaram rapidamente o facto de as pessoas que vivem com VIH se queixarem que os medicamentos do país são ineficazes e têm efeitos secundários indesejados, embora os doentes digam que as faltas de medicamentos são um problema ainda maior.

Resposta europeia ao VIH: relatórios do ECDC identificam áreas chave para ação

Fonte: ECDC

Num conjunto de relatórios, o ECDC dá uma visão geral sobre o modo como os países europeus têm respondido à epidemia do VIH desde 2004, tendo por base os compromissos salientados na Declaração de Dublin sobre as Parcerias para Combater o VIH/SIDA na Europa e Ásia Central.